No Twitter, assim como em muitas outras coisas na vida, há regras a que podemos chamar “de ouro”. Uma delas é, também como em muitas outras coisas na vida, quantidade não é qualidade.

No Twitter Não te armarás em parvo

Se alguém vos disser algo como “não me queiras ensinar coisas do Twitter, eu tenho muito mais seguidores do que tu” então, estejam certos, estão perante alguém que não percebe assim tanto de Twitter. Eu diria até, perante alguém que percebe muito pouco de Twitter.

Nessa altura, podemos seguir por vários caminhos. Quem percebe esta rede social online, normalmente, opta por tentar explicar ou mostrar de alguma forma que, de entre as métricas possíveis de analisar no Twitter, o número de seguidores talvez não seja a mais relevante. E se dúvidas houver, deixemos que o próprio Twitter fale por nós:

But a following of 1 million probably does more to boost your ego than it does to deliver real value to your audience. True influence isn’t measured by how many accounts follow yours; it’s measured by engagement. And as we see organic reach on certain platforms continue to decline, it’s important to remember that simply having an abundance of followers doesn’t guarantee you can get your content to the right people.

Infelizmente, quando nos encontramos numa situação como esta, quem fez a primeira observação sobre o número de seguidores não está interessado em aprender o que quer que seja (Formação em redes sociais? para quê?) mas sim, tal qual pavão em acto de cortejo, em mostrar as suas penas. E esse é o momento certo para deixarmos que Darwin se cumpra…

A coitada da Dona Quitéria não acerta com a vocação. Depois do problema das Salsichas e da Arquitectura da Informação e dos Seguidores no Twitter, resolveu mudar de ramo. Que se lixem as mercearias – disse ela – Vou dedicar-me ao negócio das águas. Com a quantidade de gente que diz que que eu meti água aqui e ali, tenho o futuro garantido.

Já sabem como é a Dona Quitéria: quando mete uma coisa na cabeça, não descansa enquanto não meter á… quer dizer, enquanto não levar a dela avante. Assim foi.

Depois de convencido o Sr. Eduardo a mudar de negócio (“Deixe lá isso Eduardo, a fruta apodrece e água toda a gente bebe”), foi um instante até a linha de montagem estar em pleno funcionamento. Claro que não era uma água qualquer, era água premium, da melhor qualidade. E uma água da melhor qualidade tem que ser engarrafada manualmente.

Os Clientes precisam de água, a Dona Quitéria enche as garrafas et voilá, o Sr. Eduardo vende.

A Dona Quitéria não tem nada que ver com a Cindy Lauper

A Dona Quitéria não muda

Mas (porque há sempre um mas quando se trata da Dona Quitéria), havia qualquer coisa ali que não estava a funcionar como devia ser. Havia desperdício de água. Fosse a pressa da Dona Quitéria em despachar o trabalho ou mesmo a inocente vontade de dar tudo quanto podia aos Clientes, a questão é que as garrafas eram cheias até ao gargalo e, invariavelmente transbordavam. Não só se desperdiçava a água, que caia ao chão a encher, mas também aumentavam as reclamações dos Clientes, que se molhavam cada vez que abriam uma garrafa.

Inteligente que era, e já batido quer no mundo dos negócios quer nas manhas da Dona Quitéria, o Sr. Eduardo resolveu intervir e contratou o Ferdinando, que apesar de ter nome de touro animado, era conhecido na terra por saber encher garrafas (diziam por lá que era uma arte, tal a importância que se dava à água).

Ferdinando – disse uma manhã o Sr. Eduardo – sei que não conheces a nossa água mas garanto-te que é da melhor. Só precisamos que o engarrafamento seja digno da sua qualidade. Quando a Dona Quitéria te trouxer os garrafões, tu divides pelas garrafas, ela coloca-lhes a tampa e já está, produto de primeira para bem servir o Cliente.

A lição estava aprendida e, no dia seguinte, o Ferdinando lá estava, de mangas arregaçadas à espera do primeiro garrafão. Atarefada como sempre, surge a Dona Quitéria num rompante, de garrafão de 20 litros ao ombro, lançando-o com grande estrondo sobre a mesa frente ao Ferdinando. Ai está – disse ela – enche as garrafas.

Não estranhando a atitude, com um encolher de ombros de quem já encheu muita garrafa, sem mais delonga Ferdinando deitou mãos à obra e lá encheu as garrafas. Com cuidado para não entornar, e com atenção para que não enchessem até ao gargalo, deixava em todas um vazio de segurança na eventualidade do Cliente ser menos cuidadoso ao abrir as garrafas.

Vazio que estava o primeiro garrafão, o Ferdinando olhava para as garrafas, ordenadas, arrumadas dentro das grades, só esperando levarem a tampa, e orgulhosamente sorria, com a impressão de ter feito o que lhe pediram. E bem feito.

De encher garrafas percebo eu

Eis que volta a Dona Quitéria, com outro garrafão ao ombro, olha para as garrafas, para o garrafão já vazio (não fosse o trabalho ir ainda a meio) e diz “Não é assim que se enchem as garrafas”, saindo de imediato da sala deixando o novo garrafão cheio no balcão. Na falta de indicação noutro sentido, Ferdinando volta ao trabalho e esvazia o garrafão enchendo mais umas quantas garrafas. Da mesma forma que encheu as anteriores.

No regresso da Dona Quitéria, vendo que ela entrava na sala já com um ar de reprovação, Ferdinando resolveu questiona-la sobre a forma que ela entendia ser a correcta para encher as garrafas, rápido, antes que ela desaparecesse novamente.

A Dona Quitéria tira o lápis que traz ao canto da boca, coloca-o atrás da orelha (podes tirar a Dona Quitéria da Mercearia mas nunca tirarás a mercearia da Dona Quitéria), pega numa garrafa, despeja a agua para o chão e, com uma só braçada alça um garrafão cheio, virando-o sobre o gargalo da garrafa que de imediato enche até acima e ao transbordar, diz ela com satisfação “Isto é que é uma garrafa bem cheia!”.

Mas ó Dona Quitéria – dizia o Ferdinando meio perplexo – isso é fazer exactamente o que se fazia antes, da mesma maneira, com o mesmo desperdício e possivelmente, causando as mesmas reclamações. Já sem contar que o Sr. Eduardo assim paga mais um ordenado.

Pois – respondeu a Dona Quitéria – mas é assim. E para a próxima, se tiveres dúvidas, pergunta-me. De encher garrafas percebo eu.

E ao ouvir esta história pensei: há coisas que não têm sentido.*

* como ter uma fotografia do disco She’s So Unusual da Cindy Lauper (tirada enquanto tocava o Girls Just Want To Have Fun) a ilustrar este post.

Relações humanas são coisas boas de se cultivarem. Principalmente entre humanos.

Relações Humanas e Almas Vendidas Pedro Rebelo

A Joana Sousa (uma pessoa, ou ‘ssoa, humana) chamou-me à atenção para o artigo Antropocêntricos, simples e complexos, publicado no Negócios pelo Luís Bettencourt Moniz. O assunto abordado é algo que eu e a Joana já há muito discutimos e sobre o qual já contamos com umas largas horas de reflexão.

Escreve o autor:

Hoje, o marketing caminha para ser antropocêntrico ao invés de “digitalcêntrico”. Amanhã ao invés de escrever o “post” vão visitar um cliente, só para ouvi-lo.

Sinceramente, não me parece. Se era bom que assim fosse? Sim. Se há quem o faça e quem o fará? Sim, claro. Se é para lá que o marketing caminha? Não acredito.

Luís Bettencourt Moniz escreve:

O diferenciador de valor residirá naqueles que souberem cultivar as relações humanas e perceber o ponto de vista da pessoa face ao nosso negócio. Tentem vender algo, uma ideia, um produto, mas sem digital.

E aqui residem duas questões:

  1. Em marketing, o valor de um produto ou serviço é tradicionalmente entendido como a expectativa do consumidor quanto aos seus benefícios em relação à quantia paga pelo produto. Ora, haverá certamente uma diferenciação de valor entre aqueles que souberem cultivar as relações humanas e os que não o fizerem mas para que lado penderá essa diferenciação? Dará o consumidor maior valor à relação?
  2. Perceber o ponto de vista do consumidor é hoje uma ciência, mais do que isso, é hoje um gigantesco negócio fundado na exploração tecnológica de uma ciência. Nada contra. Agora, será possível perceber o ponto de vista do consumidor, sem recorrer à tecnologia, ao digital, em tempo útil e de forma economicamente viável para o negócio?

Uma vez mais, e respondendo friamente às duas questões, não me parece. E uma vez mais, se era bom que assim fosse? Sim. Se é para lá que o marketing caminha? Não acredito.

No entanto, fica bem dizer que sim. Um profissional de marketing ganha pontos junto de qualquer Cliente ao dizer que “o consumidor vem em primeiro lugar”, que o que interessa é “cultivar relações humanas”, que deve “tocar emoções”, “procurar o engajamento” (aqui dizem engagement mas é porque acham que engajamento não existe), propor “experiências imersivas”, com “conversas bi-direccionais” (porque conversas uni-direccionais ainda não foram inventadas, mas lá chegaremos)… Sim. É verdade. Tudo isto é verdade. Mas depois, vem o orçamento, e vem a data de lançamento e a apresentação de resultados. E que se lixe o consumidor, que se lixe a relação.

Se os algoritmos, modelos, inteligências artificiais e “bots” de que também escreve Luís Bettencourt Moniz, após analisarem os posts, os tweets, as fotos e os vídeos, os check-ins e os likes, lhe disserem se o Cliente gosta mais de homens ou de mulheres, se é de vinho ou de cerveja, carros ou motas, mostarda ou maionese enfim, se é bom ou mau, então que venha a tecnologia, o digital e as bases de dados, porque ficou a saber mais sobre o Cliente em 10 minutos frente ao ecrã do que nas 5 últimas visitas que lhe fez.

“Relações humanas é muito bonito mas, quanto vendemos?”

Quem não ouviu já esta expressão? Claro que podemos aqui apontar armas ao Capitalismo desmedido, à busca incessante do lucro… Podemos, mas o Capitalismo, os ismos em geral, foram inventados por humanos.

Um destes dias, num café perto do meu local de trabalho, duas jovens estavam frente a um computador, a navegar em sites de roupa. Uma, nitidamente irritada, dizia à outra, que não gostava daquele site em particular porque “tinha a mania” que sabia tudo sobre ela. “Valia mais que a gente entrasse e ele mostrasse logo as promoções“.

Relembro que há algum tempo escrevi aqui no browserd.com sobre vivermos numa “sociedade do imediato, uma sociedade definida pela rapidez com que se produzem, procuram e encontram conteúdos, sejam eles de que tipo forem“.

Vivemos numa sociedade onde a imediatidade parece ser o mais importante dos factores para estabelecer o valor de um bem ou serviço, e por mais que acreditemos que, por exemplo, a qualidade desse bem ou serviço é um factor de maior valor, a realidade do dia-a-dia mostra-nos constantemente que essa escala de valores ideais é por demais deturpada em função do mercado.

Vende-se a alma. E depois?

O consumidor é, como refere Luís Bettencourt Moniz, complexo. O ser Humano é complexo. Tão complexo que, numa crítica declarada às novas formas de abordagem comercial, que assumidamente passam o factor humano para segundo plano, deixando a cargo das máquinas o “trabalho” de nos conhecer e convencer, o autor escreve sobre “a emergência do H2H (“human to human”)” olvidando a tão humana expressão “cara a cara” ou simplesmente “frente a frente”. E foi aqui que ele me perdeu.

Também eu acredito que o que interessa é estabelecer relações e quem me conhece sabe que há muito que o defendo. Sou uma das pessoas que “querem ser ouvidas e querem conversar”, sou uma das pessoas que “compra com alma”. Mas sou também uma das pessoas que sabe que muita da minha “conversa” e da minha “alma” está exposta em 0’s e 1’s na Internet e que quando um responsável de uma empresa líder em software e tserviços de business analytics escreve um artigo sobre cultivar relações humanas, é uma “alma vendida”. Isso não é mau. É o que é.

 

Quem passou pelas aulas que dei em torno dos Social Media e da Cultura Digital em geral, recorda-se certamente da imagem abaixo e da forma como a apresentei: Apocalipse.

e depois, morremos.

Relacionado com ela, sempre disse que este Caos em que nos encontramos (necessário para dar à luz uma estrela que dance, já dizia o velho Zarathustra) não é obrigatoriamente mau. Ele existe, é um facto. Saber que este Caos existe, saber o mais que pudermos sobre ele, são mais valias.

Vem isto a propósito da vida que levamos, das famílias, dos trabalhos e em última análise, dos aniversários dos amigos.

Em dias como o de hoje, diacho, em anos como este, recordo amiúde as sábias palavras de David Byrne em Road to Nowhere:

Well we know where we’re going
But we don’t know where we’ve been
And we know what we’re knowing
But we can’t say what we’ve seen
And we’re not little children
And we know what we want
And the future is certain
Give us time to work it out

Disse o autor na altura do lançamento do disco Little Creatures: “Queria escrever uma canção que apresentasse uma versão resignada, até alegre, do nosso destino, da nossa morte, do Apocalipse.”. E é isso mesmo. Estamos cá, vivemos e depois morremos.

É só estúpido não aproveitar o tempo com um sorriso nos lábios, com palavras e gestos de amor para quem amamos, num constante desejo de que, quando partirmos, os que cá fiquem possam seguir esse caminho e fazerem por ser ainda mais felizes. É só estúpido, porque depois, morremos.

Redes Sociais. O tema tem muito que se lhe diga. E sim, podia escrever este post de uma forma muito mais técnica, formal, eloquente, de qualquer outra forma mas, o interesse é mesmo só um: dizer uma vez mais que isto das redes sociais tem muito que se lhe diga… E não há melhor forma de o fazer do que dizer assim, simples, claro, directo.

É raro o dia que não ouça, pelo menos uma vez, a expressão “nas redes sociais”. Dito assim, como se as redes sociais fossem uma coisa, uma única coisa, mesmo por quem admitindo que será uma coisa diferente, uma coisa com particularidades, uma coisa com expressões únicas, não deixa de ser, uma coisa.

Não são. As redes sociais não são uma coisa. São muitas coisas, distintas, bem distintas, com regras, públicos e objectivos diferentes. Mesmo quando se cruzam essas regras, públicos e objectivos, não deixam de ser coisas distintas.

Mesmo que em comum as redes sociais tenham um determinado factor, o digital, até esse pode apresentar diferenças tão abismais que deverá ser impensável assumi-las como uma coisa. Sei que muitos não se lembram (muitos não fazem ideia tão pouco) mas, em tempos, os tweets faziam-se via SMS. Não se “ia à Internet” para enviar um tweet, mas nem por isso deixava de ser uma das redes sociais e muito diferente de outras que já na altura usavam interfaces web para publicação

Sim, as redes sociais são muitas e muito diferentes uma das outras, e cada vez que alguém diz “nas redes sociais” dando a entender que é tudo a mesma coisa, como diria o Marco Almeida, há um lince ibérico que é electrocutado pelos tomates. Por amor da santa, pensem nos linces ibéricos que já são poucos e sofrem o quanto baste nas mãos de gente tonta (a quem eu tenho todo o gosto em explicar que as redes sociais não são “uma coisa” ou aconselhar formação).

redes sociais diferentes culturas diferentes

“Ah e tal, mas tu fizeste o mesmo post no Facebook e no Instagram…” Sim, pois fiz. Sei que fiz e por vezes, por razões especificas, esse pode até ser o melhor caminho a seguir. Mas só por vezes e não por norma. Sabem porquê? Porque são redes sociais diferentes.

Redes Sociais: línguas diferentes, culturas diferentes…

Pensem desta forma: qualquer uma das principais redes sociais tem muitos mais utilizadores do que Portugal tem habitantes. Portugal, Espanha, França… Enfim, se o Facebook fosse um pais tinha mais gente que a China e o Twitter tanta gente quanto os Estados Unidos da América. Agora, passa-vos pela cabeça que estes países falem todos a mesma língua? Que tenham todos a mesma cultura? Pensem nos verdadeiros países que dei como exemplo e lembrem-se que mesmo nesses é por vezes quase impossível que toda a gente se entenda… E eles já andam a tentar há centenas de anos.

Esta diferença de cada uma das redes revela-se por vezes nos mais banais detalhes, como seja a dinâmica da rede, o objecto em torno da qual se constitui (é texto, vídeo, fotografia? É tudo de uma só vez?) ou a forma como mais é usada (é no telemóvel, no PC?) mas também na presença e atitude de cada utilizador e a forma como a mesma é vista e entendida pelos outros (e pela própria rede mas isso é outra discussão).

Pensem por exemplo num determinado utilizador muito activo, querido e influente numa rede social. Este utilizador pode facilmente ser o ódio de estimação de outra rede social. Normalmente não será “só porque sim” mas por vezes essa parece ser a explicação mais lógica do facto. Depois, com algum trabalho, estudo, investigação ou sorte, lá se descobre que fulano de tal, há uns anos, falou mal da rede X ou da rede Y e sabem como é, uma vez na Internet…

Entendem? Isto das redes sociais não é uma coisa, não pode ser uma coisa. São muitas e é por demais complicado estabelecer à priori formas generalistas de lidar com elas, seja como criadores de conteúdos ou mesmo como meros consumidores. As redes têm distintas formas de ser observadas, diferentes formas de serem abordadas, diferentes formas de deixarem que sejamos parte delas. E acreditem, tudo deverá começar por ai, perceber como ser parte da rede, das redes.

Lembro-me de aprender na escola primária os verbos Ser e Estar. E sempre referidos lado a lado, Ser e Estar. Ser, que semanticamente apresenta um registo mais permanente, contrariamente ao Estar com um registo mais transitório…