Hoje tive um longa conversa com um amigo sobre um tema que nem a todos os homens interessa: Sapatos. Sapatos de homem para ser mais exacto. De outros saltos, quer dizer, de outros sapatos, de salto alto, também já aqui falei mas desta feita, é sobre sapatos de homem que se fala.

Tudo começou pela partilha, num grupo privado de amigos, de um desabafo meu: “comprei um par de sapatos”. Isto num tom de quem diz, já me desgracei, mais valia não ter saído de casa (ainda assim, menos mal, pois tive em tempos outras aventuras em busca de sapatos que não correram tão bem).

Depois de esclarecido o tema, e num registo one-to-one, pergunta-me esse amigo, afinal que sapatos tinha eu comprado, e a partir dai, em amena cavaqueira, se desenrolou uma conversa que me fez lembrar que, no que a sapatos de homem concerne, mesmo entre homens que os usam diariamente, há um certo desconhecimento de forma e conceito. Se bem que para alguns isso seja algo completamente irrelevante, pude verificar que para outros, o tópico tem interesse, não só como uma curiosidade mas também com valor prático. Mas vejamos em detalhe aquilo de que vos falo.

Sapatos de homem: Oxfords, not Brogues.

Sapatos de Homem, Berwick 1707, pretos e castanhos

“Oxfords, not Brogues” é uma expressão popularizada por Colin Firth no filme Kingsman, como password de identificação, explicada por ele mais tarde quando ao “equipar” o seu pupilo, na escolha dos sapatos a calçar, este relembra a frase “Oxfords, not Brogues” e Colin Firth lhe responde “Words to live by Egssy, words to live by“. E porquê? Porque o sapato Oxford é considerado o mais formal dos sapatos de homem e expoente máximo da elegância no calçado masculino e os Kingsman do filme, primavam pela elegância.

Mas afinal do que falamos quando nos referimos a Oxfords? É simples: sapatos lisos, de atacadores e onde estes entram em furos feitos directamente no couro do corpo do sapato. Esta distinção é necessária precisamente para os diferenciar dos Derbys, sapatos lisos de atacadores mas onde estes entram em furos feitos em abas cozidas ao corpo do sapato.

Sapatos de Homem, Berwick, Oxfords e Derbys

A diferença nestes dois formatos estabelece a relação dos mesmos com a formalidade do seu uso. Os Oxfords, com menos elementos e com a zona de aperto perfeitamente unida, tornam-se mais sóbrios do que os Derbys que, devido às abas permitem uma abertura maior ao meio do sapato. Entre os Oxfords há ainda a referir os Wholecut, sapatos Oxfords elaborados a partir de uma única peça de couro.

Brogues são todos os sapatos com aplicação de couro trabalhado, normalmente rendilhado em pequenos furos.

Na realidade, há quem defenda que não se deveria fazer distinção entre Oxfords e Brogues mas sim entre Oxfords e Derbys uma vez que, quer Oxfords quer Derbys podem assumir a forma de Brogues quando sujeitos à aplicação dos respectivos enfeites. Pessoalmente, e como não sou fã de Brogues, prefiro manter a distinção entre os três géneros, Oxfords, Derbys e Brogues, entrando nesta última categoria todos os modelos com couro trabalhado com furos.

Mas esses Brogues, estão na moda…

Sim, é verdade, os Brogues estão na moda, já há alguns anos. Assim como já estiveram na década de 80 do século passado e como certamente voltarão a estar. No entanto, a grande questão é que os Oxfords e os Derbys, nunca saíram de moda podendo nós assumir que são estes os modelos intemporais no que a sapatos de homem concerne.

Seja com um fato, um smoking, um blazer ou simplesmente com uma camisa, Oxfords e Derbys raramente destoam. Com um smoking ficará melhor um Oxford do que um Derby mas, aparte esse preciosismo estilístico, qualquer outra combinação funciona.

É natural que se vejam nas lojas mais Brogues uma vez que, como disse atrás, o Brogue pode ser aplicado em Oxfords e em Derbys. Além disso, há múltiplas variedades de Brogues: Full Brogue (quando o trabalhado cobre o sapato por inteiro), Half Brogue (quando só a biqueira do sapato é trabalhada), Cap Toe Half Brogue (quando só a biqueira é trabalhada e se apresenta separada do restante corpo do sapato por uma linha divisória), Quarter Brogue (quando só a linha que separa a biqueira do sapato é trabalhada)…

É claro que há outros modelos de sapatos. Em Portugal por exemplo, um dos mais usados é o Loafer (Sebago e Yucca dizem-vos algo?), grande parte das vezes chamado em erro de Mocassin (que por seu turno é um outro modelo diferente popularizado inicialmente do outro lado do grande lago), os Monk Strap, os Dock Side (em Portugal chamados Sapatos de Vela) enfim, muito por onde escolher mas isso era um artigo que nunca mais acabava.

Por mim, fico-me pelos Oxfords e pelos Derbys.

A mim, parece-me estranho confesso, ter que dizer “gosto de saltos altos e depois?”. Eu gosto de saltos altos e não me parece, de todo, que tal gosto ou a assunção pública do mesmo seja de estranhar.

Gosto de saltos altos

Será algo de anormal um homem gostar de saltos altos? Bem, a meu ver será tão estranho quanto um homem gostar de lingerie e sabem que mais? Eu gosto de lingerie. Como não gostar? E gostar de lingerie será algo mais (pelo menos para mim é) do que dizer “Epá, aquela gaja fica mesmo boa de cinto de ligas e meias de rede”… Por amor das Deusas…

Gosto de saltos altos e de lingerie também…

Assim como gostar de lingerie se pode traduzir no saber apreciar o toque de um bustier La Perla, de um baby doll Lise Charmel ou qualquer peça Agent Provocateur (e acreditem, a Susana agradece que eu saiba apreciar estas coisas), também gostar de saltos altos se pode traduzir em saber que um salto 12 é um salto alto e um 15 já é esticar a corda ou que também há saltos 16 mas que dificilmente se encontram longe das casas de má fama

Sim, é verdade que o meu gosto por saltos altos vai um pouco além disso. Por gostar de saltos altos aprendi a distinguir uns Pump de uns Scarpin, prefiro Louboutin’s a Vuiton’s (ainda que alguns Vuiton’s sejam verdadeiras obras de arte) e até sei o que é a alma de um sapato.

É  também verdade que há muitas mulheres que não sabem fazer estas distinções mas sabem que mais? Assim como reconheço os detalhes acima, sei também o que é a gáspea, a testeira, o contraforte e o solado. Coisas que existem nos Oxfords, nos Brogues, nos Derby, nos Monks e nos Loafers… Sim, coisas que existem nos mais variados modelos de sapatos de homem, cujos nomes as maior parte dos homens não conhece.

“Queria uns sapatos daqueles, tipo luva…” ou “Não gosto daqueles sapatos com desenhos em furinhos…” são frases que se escutam com alguma regularidade em sapatarias ou conversas de amigos. Mas são sapatos de homem e são homens que dizem estas frases. Talvez não gostem de sapatos o suficiente para se interessarem por estas coisas

Gosto de saltos altos. É uma questão estética.

Dizer “eu gosto de saltos altos” é, acima de tudo, dizer que gosto de algo que me atrai esteticamente. Sendo a estética a experiência do sensível, perante uns saltos altos, o primeiro dos meus sentidos a ser atraído é a visão. Os saltos altos podem estar na montra e só por si, pelo vislumbre dos mesmos, causar a tal atração. Um par de sapatos de homem também o pode fazer mas, eventualmente, poderá requerer mais que o simples olhar. Uns Oxford Kingsman podem parecer ser quase iguais a uns Berluti mas só quando lhes tocarem, quando passarem a mão pela vira, podem notar grande diferença.

Então, dizer “eu gosto de saltos altos” é, como tantas outras coisas na vida, ter um gosto particular, um gosto que nos leva a conhecer mais sobre o tema, um gosto que nos leva a partilhar esse conhecimento, um gosto que nos deve fazer orgulhosamente dizer: eu gosto de saltos altos.

Depois, como em tantas outras coisas na vida, é esperar pelo dia em que o expressar de um gosto não tenha que vir seguido de um “e depois?”.