Noélia e Jerónimo. Os dedos das mãos e dos pés, da família, não chegam para contar as vezes que recomendei este restaurante desde que o conhecemos, faz hoje precisamente um ano.

Em Setembro do ano passado, no fim de um longo dia de praia, combinamos jantar com um casal amigo e filhos. Depois de um dia inteiro a tentar ligar para o Noélia e Jerónimo, que nenhum de nós conhecia, finalmente fomos atendidos ao final da tarde, só para nos dizerem que já não tinham mesa para esse dia. O Ricardo, do tal casal, não se deu por vencido e decidiu que iria até Cabanas de Tavira, ao restaurante, na esperança de que uma mesa vagasse. Bendita a hora em que o fez. Depois de esperarmos cerca de uma hora à porta do restaurante, lá chegou a nossa vez. E nessa noite tivemos um dos melhores jantares que alguma vez nos foi servido em terras algarvias.

De memória nos ficaram o atendimento simpático, tudo quanto nos puseram na mesa e até a amabilidade da própria Noélia que, ao fim do jantar veio à nossa mesa perguntar se tudo tinha estado do nosso agrado. Logo ai recebeu os nossos maiores elogios. Mas que maiores elogio se poderá dar a um restaurante, para além da genuína recomendação, do que lá voltar?

E assim sim foi. Um ano depois, voltámos ao Noélia e Jerónimo.

Tentámos uma vez mais telefonar para o restaurante mas, a exemplo do que já nos tinha acontecido, não tivemos a sorte de ser atendidos. Fomos à sorte, confiantes de que abrindo o restaurante às 19h00, chegando um pouco antes disso talvez conseguíssemos mesa. Chegámos ao Noélia e Jerónimo eram 18h45. A esplanada já estava cheia (duas mesas de dois lugares vazias) e na sala, todas as mesas, ainda que vazias, ostentavam já o sinal de reservado.

Deixámos o nome na lista de espera. Só havia uma familia de 3 pessoas à nossa frente, Talvez não demorasse assim tanto pensámos. Demorou. Uma hora e meia depois, durante a qual ficámos à entrada da esplanada olhando para as mesas da sala que continuavam na sua grande maioria, vazias, fomos chamados. Menos mal.

Uma hora e meia à porta de um restaurante. Quem nos conhece sabe que não somos destas coisas. Esperar não é algo que nos choque mas uma hora e meia? Sim, nós tínhamos ficado verdadeiramente impressionados com o Noélia e Jerónimo.

A simpatia do Francisco, o responsável pela nossa mesa, não teve o que se lhe apontasse. Referimos a nossa anterior passagem pelo restaurante e umas quantas leituras sobre o mesmo. Da experiência própria pedimos para começar uma sopa de peixe para cada um. Não desiludiu. Tal como a anterior, muito saborosa e com peixe, coisa que nem sempre se vê em sopas do dito. Um pouco mais rala que o ano passado e com massa, outra inovação.

Também levados pelo que já conhecíamos, pedimos o bife de atum braseado acompanhado de arroz de gengibre e manga, ao que parece, um doss clássicos da casa. O ano passado o arroz de gengibre não tinha manga e sim amêndoas. Disse-nos o Francisco que acontece. Amêndoas tem sempre. Manga quando há. Por vezes tem framboesa. Venha de lá isso.

Já levados pelas leituras das muitas reviews que se encontram pela Internet, resolvemos pedir o famoso polvo frito com batata doce frita. Confirmam-nos: é um dos pratos com mais saída. Infelizmente, foi a primeira desilusão.

Noélia e Jerónimo Polvo Frito
Polvo Frito com Batata Doce. Se os olhos comem, ficamos com fome

O polvo estava saboroso, estava. As batatas doces fritas estavam efetivamente muito, muito boas. A combinação funciona mas não basta mandar duas coisas que combinam para dentro da travessa para ter um grande prato. Sendo que os olhos também comem, só por aí ficaríamos com fome. A apresentação torna o famoso polvo numa coisa banal, capaz de ser servido em qualquer outro sitio que não no Noélia e Jerónimo, onde tantos pratos que passam parecem ter um cuidado de artista no empratamento.

Mas o pior estava para chegar, o bife de atum braseado.

Quando temos termo de comparação e a fasquia é alta é normal que o que quer que venham em segundo dê azo a emoções fortes. Se a experiência for superior é de elevar a chef aos píncaros, que se supera, que evolui. Por outro lado, se a experiência for mais fraca será sempre uma desilusão. Desta feita, a experiência foi mais fraca, muito mais fraca.

Há muito que aprendi que a desilusão pode ser uma coisa boa (terei lido Heidegger cedo demais?), o desfazer da ilusão, o clarear da ideia. Aquilo que revela a verdade. Pois se esta é a verdade, esta desilusão é das grandes.

Noélia e Jerónimo Bife de Atum Braseado
A dose de Bife de Atum Braseado que nos foi servido este ano

O que nos foi servido no fundo de um prato fundo não era um bife de atum. Eram pedaços de atum, cortados sem forma, de pontas de posta, cobertos de nervo. O bom atum do ano passado em nada se compara a este. Nem na forma, nem na textura e confesso, nem no sabor. E se ao Miguel Esteves Cardoso, também presente esta noite neste que considera “o melhor restaurante de sempre“, a Noélia “avisa logo se o atum é sublime (desviado dos japoneses que o pagam a 100 euros o quilo) ou meramente muito bom“, ao que parece, aos restantes Clientes essa nota passa ao lado. Tivesse eu sabido que não teria um bife de atum mas sim os tais pedaços unidos por nervo e certamente teria pedido outro prato.

Noélia e Jerónimo Atum Braseado
O Atum Braseado que nos foi servido o ano passado

Mas a coisa não ficou por ali. Na mesa ao fundo da sala estava o Jorge Palma e tudo o que me vinha à cabeça ao olhar para o “Arroz de Gengibre com Manga” era “deixa-me rir…. O prato de arroz que acompanhava o atum era uma daquelas visões que nos fazem pensar se nos enganámos na porta. De repente, estamos num daqueles cafés da baixa lisboeta onde se serve bitoque atrás de bitoque, sem cheiro, sem sabor e onde a única cor é dada pelas falripas de cenoura em cima da forma de arroz branco de hospital. Quase. Tinha cheiro e sabor, a queimado, das amêndoas que torraram demais. E tinha cor, dada pelos parcos pedaços de manga mole e sem graça que trazia no topo. De resto, estava espapaçado e insosso, como o tal arroz de hospital. Não o comemos.

Noélia e Jerónimo Arroz de Gengibre e Manga
Arroz de gengibre e Manga. Sim, os pontos pretos são amêndoas queimadas

Claro que chamámos o Francisco e que lhe explicámos a situação. O bife de atum que não era bife, o arroz que estava intragável, o Noélia e Jerónimo que não tinha nada a ver com o Noélia e Jerónimo do ano passado. De imediato nos disse que ia passar a informação à Chef. Acredito que a tenha passado. Mas acredito porque esta noite decidi ser boa pessoa e acreditar que os outros também podem ser boas pessoas. Só por isso, não porque tivesse qualquer palavra de atenção.

Salvou-se a noite pelo bife de vaca que a Patrícia comeu e que, ao que parece e ela conta, estava mesmo muito bom e pela garrafa de Crasto 2015 que bebemos mas sinceramente, pelos 80 euros que pagámos, esperávamos no mínimo algo como o que tivemos no ano passado. Nem de perto nem de longe.

O Noélia e Jerónimo foi uma desilusão. Das grandes. E por mais que o Heidegger me diga que a desilusão é uma coisa boa, esta não é boa para ninguém. Não é para mim e para a Susana que deixámos de ir a outros sítios que gostamos para ir ao Noélia e Jerónimo e viemos de lá insatisfeitos e não é para o Noélia e Jerónimo que deixam de ter a nossa visita e recomendação. Se lhes faz mossa? Talvez não mas não será por isso que deixo de escrever.

p.s. Diz o meu amigo Artur Ventura que eu só escrevo quando me pisam os calos ou quando me chateio num restaurante. Não é bem assim mas admito que este foi um daqueles casos que não podia deixar para amanhã.

Entre conversas sobre as especialidades gastronómicas algarvias, um colega de trabalho disse-me há uns dias que devia visitar o restaurante «O Ideal».  Em Cabanas de Tavira, dizia ele, tens uma sopa no pão que é uma maravilha… Bem dito e melhor feito.

Um destes fins de tarde, com um casal amigo, numa praia sossegada perto de Altura, pesquisei na Internet e lá descobri o telefone d’ O Ideal. Eram 19 horas mas do outro lado da linha já nos diziam que reservas já só para depois das 21h30… E era uma terça-feira… Mas é Verão, o Sol deita-se mais tarde e é sempre uma boa razão para dar mais um mergulho.

Chegados a Cabanas de Tavira, damos connosco à porta do mesmo restaurante onde há uns anos atrás tentamos jantar com o Ricardo Bernardo e a Marta na noite em que os conhecemos. Não conseguimos mesa na altura, mas já dizia o Ricardo que era o melhor sitio para se comer por ali.

Chegada anunciada, não levou 5 minutos até que alguém gritasse à porta «A mesa dos 7 pode entrar!».

«O Ideal» é uma casa simples. À primeira vista, poderia facilmente passar por um café que serve refeições. Mas é mesmo só à primeira vista. Amesentados, vem a carta num instante enquanto ainda se ultima a mesa. Os ouvidos também comem e, da sopa no pão aos pasteis de polvo, as escolhas estavam quase feitas.

O que comemos n’O Ideal?

De entrada pedimos uns «Palitos de atum» com salada de feijão frade. Barriga de atum em tiras levemente panadas, com o dito do feijão servido fresco e bem temperado a acompanhar. Delicioso. Veio depois a famosa «Sopa do Mar», reservada logo ao telefone por sugestão da casa, é um deleite ao olhar, ao olfacto e ao palato. Num pão alentejano a que se cortou o topo e retirou o miolo, é servida uma sopa de peixe e marisco, cremosa e aveludada, muito rica em tudo o que anuncia.

Vieram por ultimo os igualmente celebrados «Pasteis de polvo com arroz de tomate». Os pasteis, próximos das muito famosas e nacionais «pataniscas», são de polvo cortado amiúde, cozinhado e posteriormente envolvido no polme indo à fritura. Serão escorridos ou secos convenientemente pois, ao contrário de muitas «pataniscas» que por ai se servem, estes pasteis não «pingavam» óleo de fritar. O arroz que os acompanhava, de tomate, «malandrinho», cozinhado ao ponto e com o tomate em dose certa, não denotando nem doce, nem acidez em demasia. Um esmero.

Restaurante O Ideal em Cabanas de Tavira

As doses, muito bem servidas, não deixaram vaga em nenhum dos comensais mas, ouvi por ai dizer, que a casa tem também um «doce de vinagre» que para a próxima não nos escapa.

O serviço foi, não só rápido, como prestável e atencioso, com um tom de simpatia que nem sempre se encontra pela restauração destas bandas.

O restaurante «O Ideal» passa a ser, garantidamente, um ponto obrigatório no Verão da família.

Restaurante O Ideal

Tipo de cozinha: Portuguesa
Horário: Encerra (a cozinha pelo menos) às 22h00 – Encerrado à Quarta-feira
Preço médio: 25€
Morada: Rua Infante D. Henrique, 15 – Cabanas de Tavira
Telefone: +351 281 370 232
Pagamento: Numerário / Cartões