A coitada da Dona Quitéria não acerta com a vocação. Depois do problema das Salsichas e da Arquitectura da Informação e dos Seguidores no Twitter, resolveu mudar de ramo. Que se lixem as mercearias – disse ela – Vou dedicar-me ao negócio das águas. Com a quantidade de gente que diz que que eu meti água aqui e ali, tenho o futuro garantido.

Já sabem como é a Dona Quitéria: quando mete uma coisa na cabeça, não descansa enquanto não meter á… quer dizer, enquanto não levar a dela avante. Assim foi.

Depois de convencido o Sr. Eduardo a mudar de negócio (“Deixe lá isso Eduardo, a fruta apodrece e água toda a gente bebe”), foi um instante até a linha de montagem estar em pleno funcionamento. Claro que não era uma água qualquer, era água premium, da melhor qualidade. E uma água da melhor qualidade tem que ser engarrafada manualmente.

Os Clientes precisam de água, a Dona Quitéria enche as garrafas et voilá, o Sr. Eduardo vende.

A Dona Quitéria não tem nada que ver com a Cindy Lauper

A Dona Quitéria não muda

Mas (porque há sempre um mas quando se trata da Dona Quitéria), havia qualquer coisa ali que não estava a funcionar como devia ser. Havia desperdício de água. Fosse a pressa da Dona Quitéria em despachar o trabalho ou mesmo a inocente vontade de dar tudo quanto podia aos Clientes, a questão é que as garrafas eram cheias até ao gargalo e, invariavelmente transbordavam. Não só se desperdiçava a água, que caia ao chão a encher, mas também aumentavam as reclamações dos Clientes, que se molhavam cada vez que abriam uma garrafa.

Inteligente que era, e já batido quer no mundo dos negócios quer nas manhas da Dona Quitéria, o Sr. Eduardo resolveu intervir e contratou o Ferdinando, que apesar de ter nome de touro animado, era conhecido na terra por saber encher garrafas (diziam por lá que era uma arte, tal a importância que se dava à água).

Ferdinando – disse uma manhã o Sr. Eduardo – sei que não conheces a nossa água mas garanto-te que é da melhor. Só precisamos que o engarrafamento seja digno da sua qualidade. Quando a Dona Quitéria te trouxer os garrafões, tu divides pelas garrafas, ela coloca-lhes a tampa e já está, produto de primeira para bem servir o Cliente.

A lição estava aprendida e, no dia seguinte, o Ferdinando lá estava, de mangas arregaçadas à espera do primeiro garrafão. Atarefada como sempre, surge a Dona Quitéria num rompante, de garrafão de 20 litros ao ombro, lançando-o com grande estrondo sobre a mesa frente ao Ferdinando. Ai está – disse ela – enche as garrafas.

Não estranhando a atitude, com um encolher de ombros de quem já encheu muita garrafa, sem mais delonga Ferdinando deitou mãos à obra e lá encheu as garrafas. Com cuidado para não entornar, e com atenção para que não enchessem até ao gargalo, deixava em todas um vazio de segurança na eventualidade do Cliente ser menos cuidadoso ao abrir as garrafas.

Vazio que estava o primeiro garrafão, o Ferdinando olhava para as garrafas, ordenadas, arrumadas dentro das grades, só esperando levarem a tampa, e orgulhosamente sorria, com a impressão de ter feito o que lhe pediram. E bem feito.

De encher garrafas percebo eu

Eis que volta a Dona Quitéria, com outro garrafão ao ombro, olha para as garrafas, para o garrafão já vazio (não fosse o trabalho ir ainda a meio) e diz “Não é assim que se enchem as garrafas”, saindo de imediato da sala deixando o novo garrafão cheio no balcão. Na falta de indicação noutro sentido, Ferdinando volta ao trabalho e esvazia o garrafão enchendo mais umas quantas garrafas. Da mesma forma que encheu as anteriores.

No regresso da Dona Quitéria, vendo que ela entrava na sala já com um ar de reprovação, Ferdinando resolveu questiona-la sobre a forma que ela entendia ser a correcta para encher as garrafas, rápido, antes que ela desaparecesse novamente.

A Dona Quitéria tira o lápis que traz ao canto da boca, coloca-o atrás da orelha (podes tirar a Dona Quitéria da Mercearia mas nunca tirarás a mercearia da Dona Quitéria), pega numa garrafa, despeja a agua para o chão e, com uma só braçada alça um garrafão cheio, virando-o sobre o gargalo da garrafa que de imediato enche até acima e ao transbordar, diz ela com satisfação “Isto é que é uma garrafa bem cheia!”.

Mas ó Dona Quitéria – dizia o Ferdinando meio perplexo – isso é fazer exactamente o que se fazia antes, da mesma maneira, com o mesmo desperdício e possivelmente, causando as mesmas reclamações. Já sem contar que o Sr. Eduardo assim paga mais um ordenado.

Pois – respondeu a Dona Quitéria – mas é assim. E para a próxima, se tiveres dúvidas, pergunta-me. De encher garrafas percebo eu.

E ao ouvir esta história pensei: há coisas que não têm sentido.*

* como ter uma fotografia do disco She’s So Unusual da Cindy Lauper (tirada enquanto tocava o Girls Just Want To Have Fun) a ilustrar este post.

Geração Alpha a ditar as regras…

Geração Alpha

Ontem ao almoço o Pedro Vieira falou-me do artigo da Sandra Alvarez no Público mas já a noite ia longa e não me tinha sido possível ler o dito. Eis senão quando, o tal artigo me aparece num alerta do Facebook. Não é tarde nem cedo, vamos lá ver o que escreve a Sandra sobre a Geração Alpha.

A coisa parece-me começar logo mal. No primeiro parágrafo escreveu a autora:

Assim, depois das gerações Z (2000-2010) e Y (1985-1999), que ainda no início do ano passado despertavam especial atenção junto das marcas enquanto as primeiras gerações digitais e verdadeiramente globalizadas, está agora na altura de ficarmos atentos à geração Alpha.

Na minha opinião (que é somente isso, a minha opinião), ou a autora estava atrasada o ano passado, quando achou que as gerações Z e Y estavam a despertar as atenções, ou a autora está muito adiantada agora deixando um ano de intervalo entre o despertar de atenções de uma geração e a outra seguinte.

Eventualmente haverá ainda uma terceira opção: a autora estava atrasada o ano passado e está muito atrasada este ano. Este argumento ganha força no parágrafo seguinte.

Geração Alpha, a que vem depois da Z

Escreve Sandra Alvarez que há poucos dados sobre a Geração Alpha. Diz-me o Google que nem por isso mas, já antevendo o argumento de que há muita coisa no Google que não interessa, passei também pelo site Academia.edu onde encontrei vários trabalhos académicos sobre o tema. Sendo que neste site também se poderão encontrar coisas que não interessem, vamos assumir, para bem da discussão, que há efetivamente muito material de trabalho sobre o tema.

E se era a outros dados que a autora se referia, bem, Mark McCrindle (uma das pessoas a quem se atribui o uso do termo Geração Alpha) há já alguns anos que se dedica a recolher e compilar informação que também a poderia esclarecer.

Mas o parágrafo continua e, poucas linhas depois de nos ter dito que estava na altura de ficarmos atentos à Geração Alpha, dá como referência um documentário da Heinz Papinhas (não perguntem). Certo, é uma fonte como outra qualquer mas (porque os mas são sempre muito importantes nestes argumentos) o que causa alguma estranheza é que o documentário em questão foi apresentado em 2013.

2013. 3 anos antes das gerações Z e Y terem despertado a atenção da autora já a Heinz Papinhas apresentava um documentário sobre a Geração Alpha, sobre a qual diz Sandra Alvarez “está agora na altura de ficarmos atentos”. Agora, em 2017.

A estranheza continua

Daqui em diante várias outras coisas me causam estranheza ou fazem confusão. Entramos na descrição mais ou menos polémica da referida Geração Alpha. Pouco falta para dizer que os indivíduos desta geração já nascem de chip eletrónico atrás da orelha. Não diz mas nem por isso deixa de os assumir como verdadeiros ciborgues:

…integrando-os (os dispositivos tecnológicos) sim na sua vida de forma tão natural que já nem sequer pode ser considerada como uma extensão dos próprios — como constatámos com a geração Z —, mas sim como parte de si.

Também gostava de saber em que diacho se baseia a autora para achar que estes indivíduos terão “forte apetência para criar marcas e empresas desde muito cedo — talvez desde crianças” ou o que quer exactamente dizer com “o ensino escolar será menos didático” e entristece-me sinceramente, pensar que esta nova Geração Alpha possa ser um grupo de meninos mimados “esperando que tudo seja customizado de acordo com as suas necessidades”.

E depois, eis que me lembro das relações humanas e do texto do Luís Bettencourt Moniz, onde se lia sobre “a emergência do H2H (Human to Human)” e sobre as pessoas que “querem ser ouvidas e querem conversar”. Curiosa pois a coincidência de, 24 horas depois, escrever a Sandra que os indivíduos da Geração Alpha “comprarão muito mais online e, por isso, terão menos contacto humano do que as gerações anteriores”.

Em que ficamos? Na fantasia utópica do Luís ou na realidade (desculpem o abuso mas certamente perceberão o sentido) distópica da Sandra?

Relações humanas são coisas boas de se cultivarem. Principalmente entre humanos.

Relações Humanas e Almas Vendidas Pedro Rebelo

A Joana Sousa (uma pessoa, ou ‘ssoa, humana) chamou-me à atenção para o artigo Antropocêntricos, simples e complexos, publicado no Negócios pelo Luís Bettencourt Moniz. O assunto abordado é algo que eu e a Joana já há muito discutimos e sobre o qual já contamos com umas largas horas de reflexão.

Escreve o autor:

Hoje, o marketing caminha para ser antropocêntrico ao invés de “digitalcêntrico”. Amanhã ao invés de escrever o “post” vão visitar um cliente, só para ouvi-lo.

Sinceramente, não me parece. Se era bom que assim fosse? Sim. Se há quem o faça e quem o fará? Sim, claro. Se é para lá que o marketing caminha? Não acredito.

Luís Bettencourt Moniz escreve:

O diferenciador de valor residirá naqueles que souberem cultivar as relações humanas e perceber o ponto de vista da pessoa face ao nosso negócio. Tentem vender algo, uma ideia, um produto, mas sem digital.

E aqui residem duas questões:

  1. Em marketing, o valor de um produto ou serviço é tradicionalmente entendido como a expectativa do consumidor quanto aos seus benefícios em relação à quantia paga pelo produto. Ora, haverá certamente uma diferenciação de valor entre aqueles que souberem cultivar as relações humanas e os que não o fizerem mas para que lado penderá essa diferenciação? Dará o consumidor maior valor à relação?
  2. Perceber o ponto de vista do consumidor é hoje uma ciência, mais do que isso, é hoje um gigantesco negócio fundado na exploração tecnológica de uma ciência. Nada contra. Agora, será possível perceber o ponto de vista do consumidor, sem recorrer à tecnologia, ao digital, em tempo útil e de forma economicamente viável para o negócio?

Uma vez mais, e respondendo friamente às duas questões, não me parece. E uma vez mais, se era bom que assim fosse? Sim. Se é para lá que o marketing caminha? Não acredito.

No entanto, fica bem dizer que sim. Um profissional de marketing ganha pontos junto de qualquer Cliente ao dizer que “o consumidor vem em primeiro lugar”, que o que interessa é “cultivar relações humanas”, que deve “tocar emoções”, “procurar o engajamento” (aqui dizem engagement mas é porque acham que engajamento não existe), propor “experiências imersivas”, com “conversas bi-direccionais” (porque conversas uni-direccionais ainda não foram inventadas, mas lá chegaremos)… Sim. É verdade. Tudo isto é verdade. Mas depois, vem o orçamento, e vem a data de lançamento e a apresentação de resultados. E que se lixe o consumidor, que se lixe a relação.

Se os algoritmos, modelos, inteligências artificiais e “bots” de que também escreve Luís Bettencourt Moniz, após analisarem os posts, os tweets, as fotos e os vídeos, os check-ins e os likes, lhe disserem se o Cliente gosta mais de homens ou de mulheres, se é de vinho ou de cerveja, carros ou motas, mostarda ou maionese enfim, se é bom ou mau, então que venha a tecnologia, o digital e as bases de dados, porque ficou a saber mais sobre o Cliente em 10 minutos frente ao ecrã do que nas 5 últimas visitas que lhe fez.

“Relações humanas é muito bonito mas, quanto vendemos?”

Quem não ouviu já esta expressão? Claro que podemos aqui apontar armas ao Capitalismo desmedido, à busca incessante do lucro… Podemos, mas o Capitalismo, os ismos em geral, foram inventados por humanos.

Um destes dias, num café perto do meu local de trabalho, duas jovens estavam frente a um computador, a navegar em sites de roupa. Uma, nitidamente irritada, dizia à outra, que não gostava daquele site em particular porque “tinha a mania” que sabia tudo sobre ela. “Valia mais que a gente entrasse e ele mostrasse logo as promoções“.

Relembro que há algum tempo escrevi aqui no browserd.com sobre vivermos numa “sociedade do imediato, uma sociedade definida pela rapidez com que se produzem, procuram e encontram conteúdos, sejam eles de que tipo forem“.

Vivemos numa sociedade onde a imediatidade parece ser o mais importante dos factores para estabelecer o valor de um bem ou serviço, e por mais que acreditemos que, por exemplo, a qualidade desse bem ou serviço é um factor de maior valor, a realidade do dia-a-dia mostra-nos constantemente que essa escala de valores ideais é por demais deturpada em função do mercado.

Vende-se a alma. E depois?

O consumidor é, como refere Luís Bettencourt Moniz, complexo. O ser Humano é complexo. Tão complexo que, numa crítica declarada às novas formas de abordagem comercial, que assumidamente passam o factor humano para segundo plano, deixando a cargo das máquinas o “trabalho” de nos conhecer e convencer, o autor escreve sobre “a emergência do H2H (“human to human”)” olvidando a tão humana expressão “cara a cara” ou simplesmente “frente a frente”. E foi aqui que ele me perdeu.

Também eu acredito que o que interessa é estabelecer relações e quem me conhece sabe que há muito que o defendo. Sou uma das pessoas que “querem ser ouvidas e querem conversar”, sou uma das pessoas que “compra com alma”. Mas sou também uma das pessoas que sabe que muita da minha “conversa” e da minha “alma” está exposta em 0’s e 1’s na Internet e que quando um responsável de uma empresa líder em software e tserviços de business analytics escreve um artigo sobre cultivar relações humanas, é uma “alma vendida”. Isso não é mau. É o que é.

 

Imediatidade não é uma palavra bonita. Aliás, imediatidade não é uma palavra comum, uma palavra que se costume ouvir. Talvez por não ser uma palavra bonita, talvez por não ser muito bem entendida. A ver então se nos entendemos: imediatidade é qualidade do que é imediato.

Usamos por vezes a palavra imediatez para referenciar a imediatidade mas mesmo esta palavra também não é bonita e isso talvez seja razão para, tal como a outra, não ser muito usada. Mas agora que está entendida (relembrando, a imediatidade é qualidade do que é imediato) posso passar à sua importância no que a algumas das actuais formas de comunicar concerne, que é verdadeiramente o que aqui me traz.

Sociedade da imediatidade?

Vivemos, diz-se, numa sociedade do imediato, uma sociedade definida pela rapidez com que se produzem, procuram e encontram conteúdos, sejam eles de que tipo forem. Tudo é rápido, para já (porque não pode ser para há pouco), se for para logo mais, não serve.

Como escreveu Douglas Coupland, já não há tolerância para qualquer tipo de espera. Queremos todos os factos e queremo-los agora.

É ao mesmo tempo, e num sentido quase dóxico, uma sociedade do efémero, onde as coisas aparecem e desaparecem num piscar de olhos, onde o escândalo do agora obliterou por completo a noticia do há pouco.

Por outro lado, e quase paradoxalmente, esta sociedade do imediato, de conteúdo efémero e muitas vezes decíduo, é também um bastião da perenidade, garantindo, como tantas vezes ouvimos, que “uma vez na Internet…” nada se esquece, nada se apagará.

Em suma, vivemos numa sociedade onde os próprios conceitos basilares do entendimento comunicacional (como o momento ou a duração) se confundem, distorcem, misturam e encontram valores definidos não de forma canónica, mas sim relativamente às perspectivas dos intervenientes no processo.

Tudo isto é bastante visível quando falamos por exemplo, das presenças nas diversas Redes Sociais online.

A imediatidade e a desintegração da Persistência da Memória por Salvador Dali
A desintegração da Persistência da Memória por Salvador Dali

O valor do tempo nas diversas Redes Sociais online

Não é raro encontrar publicações no Facebook, Twitter ou LinkedIn com títulos como “Qual a melhor hora para publicar no Facebook” ou “Os melhores horários para publicar nas redes sociais” ou qualquer coisa deste tipo.

De imediato me apraz lembrar que a grande maioria destas publicações referem “estudos” ou análises feitas nos Estados Unidos da América. Se entendermos que as diferenças culturais serão suficientes para que haja comportamentos diferentes, este facto deve servir de alerta para não levarmos à letra determinadas “sugestões”.

São muitos os exemplos que poderia citar mas vejamos um simples e que certamente dará uma ideia clara do problema exposto acima: Muitos dos estudos que encontramos na web sobre horários de publicações nas várias redes sociais, indicam que o melhor horário para twittar é entre as 12 e as 15 horas. Quando olhamos para dados específicos sobre Portugal, muito mais difíceis de encontrar, verificamos que a grande utilização do Twitter em Portugal é feita quando em casa e no período nocturno sendo que o período de maior engajamento é entre as 21 horas e a meia-noite.

Assim, é bastante claro que a definição de tempo ideal, para o mesmo acto, varia no espaço (sendo este um apenas dos factores), e de forma muito, muito relevante.

Mas então, o que tem a publicação pelas 21 horas de algo que aconteceu às 13, a ver com a imediatidade?

Nesta nossa sociedade, a tal do imediato, ainda que assim pareça, o mais importante nem sempre é a imediatidade da publicação mas sim a imediatidade do conhecimento. Estar na posse da informação, de todos os dados, tão rápido quanto possível, permitirá fazer melhor gestão da quantidade, duração e momento da publicação.

Claramente, a imensa informação que desejamos, que temos, veio (e uma vez mais recorrendo a Coupland) osmótica ou inadvertidamente, danificar (eu seria mais soft e diria modificar ainda que de forma radical) um sentido de tempo colectivo que há muito servia a humanidade. É importante que nos dediquemos a repensar o tempo e o seu valor.

É só um desabafo.

Redes Sociais. O tema tem muito que se lhe diga. E sim, podia escrever este post de uma forma muito mais técnica, formal, eloquente, de qualquer outra forma mas, o interesse é mesmo só um: dizer uma vez mais que isto das redes sociais tem muito que se lhe diga… E não há melhor forma de o fazer do que dizer assim, simples, claro, directo.

É raro o dia que não ouça, pelo menos uma vez, a expressão “nas redes sociais”. Dito assim, como se as redes sociais fossem uma coisa, uma única coisa, mesmo por quem admitindo que será uma coisa diferente, uma coisa com particularidades, uma coisa com expressões únicas, não deixa de ser, uma coisa.

Não são. As redes sociais não são uma coisa. São muitas coisas, distintas, bem distintas, com regras, públicos e objectivos diferentes. Mesmo quando se cruzam essas regras, públicos e objectivos, não deixam de ser coisas distintas.

Mesmo que em comum as redes sociais tenham um determinado factor, o digital, até esse pode apresentar diferenças tão abismais que deverá ser impensável assumi-las como uma coisa. Sei que muitos não se lembram (muitos não fazem ideia tão pouco) mas, em tempos, os tweets faziam-se via SMS. Não se “ia à Internet” para enviar um tweet, mas nem por isso deixava de ser uma das redes sociais e muito diferente de outras que já na altura usavam interfaces web para publicação

Sim, as redes sociais são muitas e muito diferentes uma das outras, e cada vez que alguém diz “nas redes sociais” dando a entender que é tudo a mesma coisa, como diria o Marco Almeida, há um lince ibérico que é electrocutado pelos tomates. Por amor da santa, pensem nos linces ibéricos que já são poucos e sofrem o quanto baste nas mãos de gente tonta (a quem eu tenho todo o gosto em explicar que as redes sociais não são “uma coisa” ou aconselhar formação).

redes sociais diferentes culturas diferentes

“Ah e tal, mas tu fizeste o mesmo post no Facebook e no Instagram…” Sim, pois fiz. Sei que fiz e por vezes, por razões especificas, esse pode até ser o melhor caminho a seguir. Mas só por vezes e não por norma. Sabem porquê? Porque são redes sociais diferentes.

Redes Sociais: línguas diferentes, culturas diferentes…

Pensem desta forma: qualquer uma das principais redes sociais tem muitos mais utilizadores do que Portugal tem habitantes. Portugal, Espanha, França… Enfim, se o Facebook fosse um pais tinha mais gente que a China e o Twitter tanta gente quanto os Estados Unidos da América. Agora, passa-vos pela cabeça que estes países falem todos a mesma língua? Que tenham todos a mesma cultura? Pensem nos verdadeiros países que dei como exemplo e lembrem-se que mesmo nesses é por vezes quase impossível que toda a gente se entenda… E eles já andam a tentar há centenas de anos.

Esta diferença de cada uma das redes revela-se por vezes nos mais banais detalhes, como seja a dinâmica da rede, o objecto em torno da qual se constitui (é texto, vídeo, fotografia? É tudo de uma só vez?) ou a forma como mais é usada (é no telemóvel, no PC?) mas também na presença e atitude de cada utilizador e a forma como a mesma é vista e entendida pelos outros (e pela própria rede mas isso é outra discussão).

Pensem por exemplo num determinado utilizador muito activo, querido e influente numa rede social. Este utilizador pode facilmente ser o ódio de estimação de outra rede social. Normalmente não será “só porque sim” mas por vezes essa parece ser a explicação mais lógica do facto. Depois, com algum trabalho, estudo, investigação ou sorte, lá se descobre que fulano de tal, há uns anos, falou mal da rede X ou da rede Y e sabem como é, uma vez na Internet…

Entendem? Isto das redes sociais não é uma coisa, não pode ser uma coisa. São muitas e é por demais complicado estabelecer à priori formas generalistas de lidar com elas, seja como criadores de conteúdos ou mesmo como meros consumidores. As redes têm distintas formas de ser observadas, diferentes formas de serem abordadas, diferentes formas de deixarem que sejamos parte delas. E acreditem, tudo deverá começar por ai, perceber como ser parte da rede, das redes.

Lembro-me de aprender na escola primária os verbos Ser e Estar. E sempre referidos lado a lado, Ser e Estar. Ser, que semanticamente apresenta um registo mais permanente, contrariamente ao Estar com um registo mais transitório…