Na estreia de Battlestar Galáctica ouviu-se pela voz de Patrick Macnee:

Há aqueles que acreditam que a vida aqui começou lá fora, longe, algures no Universo, com tribos de Humanos que podem ter sido os antepassados dos Egípcios ou dos Toltecs ou dos Maias. Acreditam que eles possam ter sido os arquitectos das Grandes Piramides ou as Civilizações Perdidas de Lemúria ou Atlântida. Alguns acreditam que possam ainda haver irmãos do Homem que lutam hoje, para sobreviver, longe, bem longe, algures entre as estrelas…

Perante estas palavras é difícil não pensar que estamos a assistir a algo de épico e majestoso.

Glen Larson, o criador de Battlestar Galáctica (há aqui debate mas fica para mais tarde), resolveu juntar dois mundos que até então se encontravam em dois pólos opostos da realidade cultural norte-americana: Ficção Cientifica e Religião. Larson queria fazer uma série televisiva que levasse toda a gente a gostar de Ficção Cientifica mas também a debater assuntos mais sérios. A sua intenção era mostrar alguma ciência mas de forma a que não fosse necessário um curso superior para a entender e por outro lado falar de filosofia sem deixar os seus espectadores a dormir. A Religião era o ponto de união. Disse Glen Larson numa entrevista da altura:

Galactica é o Génesis. É sobre as origens do Homem. E todo o tema e até as subtis influências nas roupas e adereços, muitas destas coisas apresentam uma grande semelhança com “Os 10 Mandamentos” e coisas do género(…).


Esta aproximação à Religião não será completamente inocente. Larson era um conhecido crente na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (SUD) – muito influente nos Estados Unidos da América (o estado de Utah foi fundados pelos Mormons, os crentes nesta igreja) – e ele coloca nitidamente muito da sua crença nesta sua obra e isso vê-se até na base da história quando esta nos é apresentada num cenário pós-apocalíptico onde os sobreviventes partem na busca de uma terra prometida. Também o Livro de Mormon se passa historicamente quando o profeta Lehi tem uma visão da destruição de Jerusalém e consegue deixar a cidade com a sua família antes da desgraça. Mas vejamos mais exemplos desta aliança improvável…

a) As 12 Colónias foram fundadas pelas 12 Tribos de Kobol. terá existido uma 13ª colónia que se terá perdido das restantes, chegando a Terra e colonizando este planeta. No Livro de Mormon, aquando do exilio das Tribos de Israel, o profeta Lehi partiu de Jerusalém (cerca de 600 anos antes de Cristo) com alguns dos membros da tribo de José em direcção ao que hoje conhecemos como América.

b) Num dos episódios da série é revelada a origem de toda a Humanidade: Kobol. Kobol é nitidamente um anagrama de Kolob que para os crentes da SUD é a estrela mais próxima da casa de Deus. Existe ainda uma outra referência muito clara a esta ligação. Em certa altura é referida a nave “Estrela de Kobol” como o local onde se fazem as negociações entre Humanos e Cylons para chegar ao Armistício.

c) As Leis Universais são um conceito igualmente comum a Battlestar Galáctica e a SUD. Na série, toda a gente está sujeita a estas Leis que proclamam a liberdade de escolha como principio máximo de todas as coisas. Até aquele que é a representação do Mal, o Conde Iblis) só poderia controlar aqueles que de livre vontade aceitassem o seu domínio. Segundo a Criação na visão da SUD, o demónio terá sido expulso do reino dos Céus porque queria interferir com o livre arbítrio do Homem.

d) Também existe esta ligação entre Battlestar Galáctica e a SUD em situações de representatividade mais física como seja o caso da cena do casamento de Apollo e Serina. As palavras de Adama “(…) a união entre este Homem e esta Mulher não só para agora mas para todas as eternidades (…)” são quase uma citação das palavras proferidas na celebração dos casamentos na SUD quando se declara a união selada “para todo o sempre e para toda a eternidade”.

Há ainda quem defenda que Glen Larson impôs a Battlestar Galáctica conceitos religiosos de forma bem mais radical principalmente a partir do episódio “Guerra dos Deuses”. É neste episódio que surge a figura do Conde Iblis e rapidamente o espectador atento repara que a voz do Conde é a voz do Líder Imperial dos Cylons. Do ponto de vista mais radical, em ultima analise, os Cylons são assim, obra do demónio uma vez que este é personificado no Conde. Para Ivan Wolfe (que prepara actualmente uns capítulos sobre o tema para um livro a sair brevemente) por exemplo, é neste momento que se estabelece a base metafisica de toda a série. No entanto Ivan Wolfe é Mormon e eu não sou. É meu entendimento que a batalha pela sobrevivência Humana apresentada na Battlestar Galáctica tem efectivamente como base moral o Bem sobre o Mal mas dai a entender esta guerra como uma representação da necessidade de avanço espiritual da alma Humana…

Talvez esteja aqui o verdadeiro segredo da série original de Battlestar Galáctica. Os conceitos defendidos pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias são muito próximos do ideal de paz e amor que o Mundo procurava nos finais da década de 70. O Flower Power tinha já passado para segundo plano mas as necessidades espirituais de um Mundo recentemente marcado por guerras sangrentas (o conflito no Vietname tinha terminado há pouco) e na constante sombra da Guerra Fria mantinham-se como dantes. Tudo o que pudesse mostrar esperança era bem-vindo.

Este post surge na continuação de Battlestar Galactica – Parte I e continuará em breve no Battlestar Galactica – Parte III

One thought on “Battlestar Galactica – Parte II (A fé move naves espaciais)

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